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14/08/2023

Entrevista com Lia Vainer Schucman

Autora de Famílias inter-raciais, conta um pouco mais sobre seu processo de pesquisa e a nova edição do livro

1. O livro havia sido publicado pela Edufba. Quais diferenças esta nova edição apresenta? 

R: A primeira edição do livro tem uma longa justificativa sobre o método que usei para minha pesquisa. Eu tive esse cuidado porque na época eu era bolsista da Fapesp e recebi dois pareceres negativos para publicação de artigos e os argumentos eram que eu era agressiva nas perguntas com as pessoas, que perguntar sobre raça seria violência. Para essa segunda edição não faria sentido manter porque com as leituras do livro, a quem de fato interessa ler, nunca vieram com isso. Pra mim, hoje, os pareceres foram racistas.

2. Qual foi sua maior dificuldade durante os encontros com as famílias entrevistadas?

R: Durante o processo de pesquisa eu comecei pelo método da etnografia, mas me senti muito desconfortável e invasiva ficando dentro da casa das pessoas apenas observando. Foi por isso que eu decidi fazer entrevistas e quando comecei esse segundo momento eu percebi que as pessoas querem muito falar e contar, essa é uma demanda muito reprimida. Essa foi uma facilidade que eu não esperava: tiveram 20 famílias que se voluntariaram pra minha pesquisa. Percebi que queriam uma escuta, reclamar a violência sofrida dentro do espaço dos afetos familiares. E eu percebi que as entrevistas criaram um espaço de produção de sentido, as pessoas puderam falar e eu tive feedbacks interessantes de pessoas dizendo que participar das entrevistas foi restaurador, poder pensar e elaborar a partir das entrevistas.

Existiu também a dificuldade de fazer as pessoas se sentirem à vontade para falar de sentimentos muito sombrios de familiares e de pessoas que elas amam muito. Dificuldade de falar da própria família com a pessoa que violentou estando por perto. Mas ao mesmo tempo, senti que as entrevistas foram uma oportunidade dos negros falarem pros brancos, em muitos casos pela primeira vez, o quanto eles foram racistas.

3. Ao ler o livro, é muito fácil apreender a teoria pelos exemplos práticos que você apresenta. Como foi articular os resultados das entrevistas com conceitos teóricos na hora de escrever?

R: Transcrever entrevistas com muitas pessoas é muito difícil! Durante as transcrições que eu fazia de cada entrevista com as famílias eu já ia assinalando algumas palavras-chave. Foi no processo de transcrição que eu tive a percepção das dinâmicas, da forma: quem interrompe quem, quem silencia quem. Depois de feitas as transcrições com as anotações, fiz a análise de conteúdos das entrevistas. Vi que havia uma repetição de temas, como o mecanismo de negação do negro ou a autoclassificação racial, que tem a ver com a maneira como a própria pessoa se classifica racialmente sendo diretamente influenciada por como a família a classifica. Fui mapeando temas que se repetiam e ao mesmo tempo eram temas sensíveis e importantes para as relações raciais. Selecionei os temas que mais apareciam dentro da subjetividade intrafamiliar, mas que também eram temas importantes para sociologia das teorias raciais, que é o meu campo do conhecimento, que é pensar o sujeito dentro da estrutura social.

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